domingo, 4 de dezembro de 2016

Uma carta aberta para quem quiser ler sobre o curupira



04 dezembro de 2016, domingo

Para: para quem me pergunta sobre ou o que é o curupira.

No dia 14 de novembro de 2016 eu escrevi uma nota de repúdio para um blog denominado curupira estritossenso. Na qual eu dizia que não me sentia representada pelos ataques que o blog estava realizando. Até então o blog tinha feito três postagens e eu tinha entendido, a partir destas postagens, que a proposta do blog era criticar o ritmo de produção acadêmica, os centros de pesquisa em Antropologia considerados como de excelência (os Capes 7) com ênfase em críticas ao DAN-UnB e etc.

Ao conversar com outras colegas da graduação, percebi que as interpretações eram bem variadas, mas tinham um ponto em comum: deveria ter algo a ver com publicações. Uma interpretação, por exemplo, foi que curupira era uma proposta de publicação, qual o blog talvez fosse uma nova forma de revista. 
 
Outra interpretação que ouvi era que o curupira devia ser uma crítica à produção dos departamentos, que pelo ritmo de publicações, deveria haver muita coisa dispensável publicada e o blog se propunha a revisar o que era realmente importante para Antropologia.

Apesar das várias interpretações, uma das diversas coisas que me preocupou e também esteve presente na fala de outras pessoas com quem conversei era de que: neste cenário político, de cortes financeiros para a educação, um blog que aparentemente questionava publicações e programas de Antropologia, tendo em vista que muitas pessoas nem sabem o que é Antropologia, é um meio desfavorável para a manutenção da própria Antropologia (como ciência, como disciplina, como área de trabalho, e afins). 
 
Mas esta preocupação não era sobre as críticas à Antropologia, mas exatamente pela falta de críticas explicitas. As postagens do curupira eram apenas deboches, não eram críticas compreensíveis. Eram discursos de ódio, e quando eu digo que eram discursos de ódio, estou me referindo à ridicularizações e humilhações. 
 
O blog também tinha uma proposta de despublicação de artigos, que dizia visar a redução de capes, ou seja, de reconhecimento institucional que garante bolsas para as alunas e alunos, em um momento de congelamentos de gastos, pecs, o que parecia um pouco estranho dentro da pauta de educação pública atual. Assim, alguns colegas ficaram preocupados com o ingresso no programa por diversos aspectos que iam desde manutenção da bolsa até deterioração da saúde mental, tendo em vista os deboches do blog.

Estas foram algumas das perspectivas e de conversas que me motivaram a escrever uma nota de repúdio ao curupira (a nota pode ser lida na íntegra clicando aqui), além do fato de que todo dia alguém me perguntava sobre o que era o curupira (até hoje me perguntam). 
 
Bom, eu não sabia na época e hoje ainda não sei o que é o curupira, nem quem era, ou quais pessoas eram. Contudo, para mim ficava bem claro, no dia 14/11, que o curupira era uma zoeira sobre publicação, sobre avaliação da capes e que praticava bullying contra o DAN, porque deveria ser alguém local. Por isto resolvi publicizar meu repúdio.

Achei que era obvio que o que eu tinha escrito era para o curupira, porque eu falava de despublicação e afins, achei que era obvio que o que eu tinha escrito era para curupira porque eu repudiava os ataques e discursos de ódio, pois era isto que o curupira fazia, achei que era obvio que o que eu tinha escrito era para o curupira, pois enviei por e-mail pra todo mundo, porque era a forma que o curupira publicizava suas postagens. 
 
Achei que era obvio que era para a leitura de quem não sabia o que estava acontecendo, pois quem deveria saber o que estava acontecendo, devia saber o que estava acontecendo. Achei que era obvio que meu repúdio era sobre o bullying, porque estamos em 2016…

Logo a minha nota gerou diversas reações:
1) Uma resposta pública do curupira (que pode ser lida clicando aqui)
2) Algumas mensagens de apoio sobre a nota e de solidariedade sobre a resposta agressiva do curupira (principalmente das pessoas da graduação e de pessoas que entenderam que a nota era para o curupira)
3) Algumas respostas privadas que me diziam que eu estava usurpando um lugar de fala e que eu não sabia o que estava acontecendo (principalmente de pessoas da pós)
4) Algumas indiretas que também versavam sobre uma usurpação de lugar de fala e que menosprezavam minha titulação acadêmica (de pessoas de diversos lugares).

Com esta preocupação de estar usurpando um lugar de fala, desesperadamente emiti uma errata (que pode ser lida clicando aqui).

O contexto que eu não tinha/ Uma grande piada interna
Bom, as respostas/indiretas à minha nota tinham basicamente dois conteúdos: o primeiro era que estava rolando um intenso debate sobre cotas (raciais e indígenas) na pós e que eu não sabia nada sobre isto, mas que o curupira representava o transbordamento das emoções, por mais que as pessoas não soubessem e até não apoiassem quem era o curupira. E a segunda era que eu estava deslegitimando a luta de outras pessoas (outras pessoas escrito desta forma bem genérica mesmo).

Entendendo o curupira como uma grande piada interna
Bom, como já disse algumas pessoas que me escreveram ressignificaram a motivação do curupira de forma ampla, apenas dizendo que de algum forma aquele blog era na verdade sobre cotas. Assim concluí que o curupira devia ser uma grande piada interna. 
 
Assim, aqui do meu ponto de vista, a situação mudou (um plot twist) e ficou mais insustentável ainda. Vários aspectos nas respostas que vieram diretamente para mim ou que apareceram em outros lugares me incomodaram. 
 
O início do incomodo foi obviamente a resposta do próprio curupira que não comentou o conteúdo da minha nota em si, mas atacou a minha pessoa, o que foi uma legítima falácia ou argumentum ad hominem, “que é aquela pela qual atacamos o sujeito que profere uma opinião e não a opinião mesma” (TIBURI, 2016; 118). 
 
A resposta do curupira foi um ataque a minha auto estima, minha capacidade enquanto uma pessoa que poderia debater, pensar por conta própria, tirar uma nota alta em uma seleção… Foi uma tática bem comum de bullying ou definindo melhor de machismo ou até de racismo mesmo.

A primeira coisa que eu pensei quando eu li a resposta do curupira foi "se eu tivesse com a indicação do lado do meu nome que eu tivesse passado no mestrado por cotas o curupira teria me atacado desta forma?". Porque, quando o curupira zomba de eu ter passado em primeiro lugar, a única coisa que eu penso é que, eu enquanto negra, eu não deveria estar ali. Será que o curupira quis dizer que eu não tinha capacidade de tirar uma nota boa? É isto?

Porque quando uma resposta questiona minha capacidade cognitiva de pensar por mim mesma, de escrever bem, de ter capacidade de passar em primeiro lugar, este ataque não está criticando a minha nota de repúdio, ele está criticando a minha nota em um processo seletivo, ele está criticando a minha participação e meu desempenho enquanto uma mulher negra em um processo seletivo! Que fique bem claro, ou melhor bem escuro! Porque a linguagem pode ser racista sim.

A minha postura era de que o curupira não me representava, mas o curupira insinuou diversas vezes que eu estava apenas defendendo o DAN, como se eu quisesse me auto promover, chamar a atenção.. Insinuando que sem puxar saco eu não estaria em primeiro lugar e mais, que eu já me sentia professora. Porque no fundo, eu enquanto mulher negra, não deveria estar ali.. É isto? Enquanto mulher negra da graduação eu não poderia falar nada. É isto mesmo?

No fim de tudo, o curupira ainda caçoou meu agradecimento ao final da nota, qual segundo o curupira aquilo deveria ser uma mensagem subliminar, uma mensagem de socorro... Afinal a postagem até se chama "gerenciamento de crises" e eu enquanto uma mulher que se diz preocupada com a saúde mental no fim do semestre, não poderia estar falando de nenhum outro mal que não fosse uma loucura própria, é isto? É um gaslighting mesmo é isto? 
 
Enfim, a resposta do curupira foi extremamente agressiva. Foi uma grande deslegitimação de lugar de fala, enquanto mulher e enquanto mulher negra. Ademais a distorção da minha nota de repúdio feita pelo curupira em sua resposta é um gaslighting.

“Gaslighting é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade” (Fernanda Vicente, referência 1)

E eu estou distorcendo o que o curupira falou ou quis falar, interpretando suas falas? Eu acho que não. Porque a forma de escrita do curupira é: a exposição de um conteúdo raso que significa uma densidade de coisas além daquilo que está de fato escrito ou dito. Assim quando ele fala por exemplo, que eu poderia estar na verdade realizando um pedido de socorro, isto tem respaldo no machismo estrutural qual historicamente os homens interditam mulheres duvidando do que é dito por mulheres, chamando elas de loucas e etc.

Por que fico ofendida quando o curupira distorce o que eu digo, e chamo isto de gaslighting? Porque o que eu escrevi expunha o conteúdo que eu queria apresentar. Por mais que alguém ache que eu tenha me expressado mal, nada do que eu escrevi tinha a intenção de corresponder a um conteúdo implícito.

Porque o curupira não me representava

Palavras viram armas. O preconceito é um tipo de injustiça que se expõe na linguagem, mas também se cria por meio dela. (Tiburi, 2016: 134)

Curiosamente ninguém me perguntou porque o curupira não me representava. Mas a resposta seria uma nova pergunta: é realmente subversivo utilizar um tipo de estrutura linguística que é a principal forma de atacar e agredir “minorias”? Meu repúdio inicial ao curupira veio pela forma agressiva de escrever, pela violência intrínseca de cada postagem. Depois, quando me falaram que havia um contexto de discussão racial, o repúdio e a falta de representação triplicou. 
 
Muitos gatilhos de violência simbólica estão presentes na forma de escrita do curupira. Com um tipo de escrita que está organizada socialmente para realmente ser ofensiva; e é fatidicamente ofensiva pelo respaldo social! Historicamente esta forma de escrita e fala agride quem? Negras, negros, mulheres, gays, lésbicas… 
 
A forma de debochada de falar do outro, a agressividade nas frases, a ambiguidade do que é dito é a arma cotidiana dos racistas, dos machistas, dos homofóbicos, que sempre podem tirar da manga um: “você está exagerando..”. É uma forma de discurso covarde e muito própria da branquitude.

Citação de Insecure, 1ª temporada, 1º episódio
Afinal, estas violências estão em nosso cotidiano de uma forma muito escorregadia: através de construções verbais feitas para ofender e para serem dúbias ao mesmo tempo. Os colonizadores deixaram um vasto repertório de frases para destruir autoestimas com poucas palavras de forma bem rápida, sutil e eficiente. 

Por isto não me representa, eu não acho que haja transgressão em reproduzir um tipo de violência que acomete diariamente populações marginalizadas. Neste sentido, cito Audre Lorde “pois as ferramentas do mestre não irão desmantelar a casa do mestre. Elas podem nos permitir temporariamente a ganhar dele em seu jogo, mas elas nunca vão nos possibilitar a causar mudança genuína”.” (referência 2).

Neste sentido, é interessante pontuar que a linguagem constitui uma forma de vida (RIBEIRO, 2013:8). Como iremos descolonizar os discursos do racismo, do machismo, da homofobia, organizando as ideias e pleitos da mesma forma que são organizadas as falas racistas, machistas e homofóbicas? 
 
Utilizar uma forma violenta de comunicação, com um histórico de violência estrutural, não parece subversivo. Parece apenas uma forma de perpetuar as falas e discursos colonizadores. Citando Lorde de novo: “o que significa quando as ferramentas de um patriarcado racista são usadas para examinar os frutos do mesmo patriarcado? Significa que apenas os perímetros mais estreitos de mudança são possíveis e admissíveis.” (referência 2).

Carapuças para brancas e máscaras para pretas
Grada Kilomba (referência 3) conta que na casa da sua avó tinha uma imagem da Anastácia, uma mulher negra que foi escravizada no período colonial, na sala de estar. Em todas as sextas -feiras eram oferecidas a imagem da Anastácia uma vela, uma flor branca, um copo de água e outro de café sem açúcar.

A minha avó costumava me contar como Escrava Anastácia havia sido encarcerada numa máscara – como isso era comum e se passava com todos aqueles/as que falavam palavras de emancipação durante a escravidão – e eu, dizia minha avó deveria sempre me lembrar dela” (referência 3)

Kilomba diz que “o passado colonial está memorizado de tal maneira, que se torna impossível esquecê-lo”. Assim, ela nunca esquecerá a história da Escrava Anastácia. Contudo, creio que qualquer negra ou negro que entre em contato com a história da Anastácia, não pode esquecê-la também. Kilomba acrescenta que:

A máscara não pode ser esquecida. Ela foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de 300 anos. Ela era composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do sujeito Negro, instalado entre a língua e a mandíbula e fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma em torno do queixo e outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanos/as escravizados/as comessem cana-de-açúcar, cacau ou café, enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo. (referência 3)

Neste sentido Kilomba enfatiza que a máscara levanta perguntas como “Quem pode falar? Quem não pode? E acima de tudo sobre o que podemos falar?”. Além de outras questões como “Por que a boca do sujeito Negro tem que ser calada? Por que ela, ele, ou eles/elas têm de ser silenciados/as? O que o sujeito Negro poderia dizer se a sua boca não estivesse tampada? E o que é que o sujeito branco teria que ouvir?” (referência 3)

Segundo Kilomba existe um medo apreensivo de que “(…) se o/a colonizado/a falar, o/a colonizador/a terá que ouvir e seria forçado/a a entrar em uma confrontação desconfortável com as verdades do ‘Outro’”. Grada Kilomba analisa que as verdades do outro seriam “verdades que supostamente não deveriam ser ditas”, e quando ouvidas “(…) ‘deveriam’ ser mantidas ‘em silêncio como segredos’ (referência 3)

Kilomba diz que gosta bastante da expressão “mantidas em silêncio como segredos” porque ela traria a ideia de que alguém estaria prestes a revelar algo que não é permitido, algo que não se pode dizer: “Segredos como a escravidão. Segredos como o colonialismo. Segredos como o racismo”

O medo de ouvir o que possivelmente poderia ser revelado pelo sujeito Negro pode ser articulado com a noção psicanalítica de repressão, uma vez que a repressão ‘consistem em afastar algo e mantê-lo à distância do consciente’ (Freud 1923, p.17). Este é o processo pelo qual certas verdades só podem existir (na profundidade do oceano, bem lá no fundo) no inconsciente, bem longe da superfície – devido à ansiedade extrema, culpa ou vergonha que elas causam. Imaginem um iceberg flutuando na água azul, todas as verdades reprimidas ainda estão lá, porém imersas e reprimidas na profundidade. Ou seja, o sujeito sabe, mas quer tornar (e manter) o conhecido, desconhecido. (referência 3)

É muito interessante perceber que expressões que Kilomba traz para apontar este processo de repressão são expressões muito conhecidas por negras e negros quando confrontam algo que foi ouvido: “Eu não entendo”, “Eu realmente não me lembro”, “Eu não acredito”, “Eu acho que você está exagerando...”, “Eu acho que você é demasiado sensível..” . E também fazem sentido para outras opressões como o machismo e não apenas para o racismo. 
 
Kilomba deixa bem explícito que hoje em dia, apesar de não serem mais usadas máscaras de metal para calar as negras e negros, existem outros mecanismos de silenciamento que funcionam como máscaras, como a frase “eu acho que você está exagerando”, pois possuem o mesmo efeito da máscara: calar o outro.

A boca é um órgão muito especial, ela simboliza a fala e a enunciação. No âmbito do racismo, ela se torna o órgão da opressão por excelência, pois é o órgão que enuncia certas verdades desagradáveis e precisa, portanto, ser severamente confinada, controlada e colonizada.

Falar torna-se, então, praticamente impossível. Não é que nós não tenhamos falado, o fato é que nossas vozes têm sido constantemente silenciadas através de um sistema racista. Esta impossibilidade ilustra como falar e silenciar emergem como um projeto análogo. Um projeto entre sujeito falante e os seus/ suas ouvintes.(referência 3)

Neste sentido, reproduzir uma estrutura de linguagem tão violenta parece apenas esconder as agressores e agressores em carapuças brancas e silenciar as agredidas e agredidos em máscaras feitas para pretas. Como isto é subversivo? Como isto é engraçado?

Porque escrevo a carta

Muitas pessoas estão me perguntando ultimamente como eu estou me sentido, agora que eu “já sei” que devem ter pessoas que não gostam de mim na pós? Eu apenas digo que eu me sinto normal, porque eu nunca tive expectativa de ser bem recebida em nenhum lugar. Pois nem quando eu entro em uma loja, eu tenho expectativa de ser bem recebida, pelo contrário, minhas expectativa é de que o segurança vai me seguir. 

Ensino fundamental, ensino médio, graduação, enfim, nenhum lugar é seguro não. Nenhum lugar foi diferente.

(Imagem ao lado:"Se você manter silêncio sobre suas dores, eles vão te matar e dizer que você gostou" Zora Neale Hurston, arte: Kate Whol)
 
Ridicularizarem minha experiência na graduação, algo que foi bem significativo, me falaram que eu não deveria falar nada também. Você apresenta seu lugar de fala e dizem que você tá se promovendo, você apresenta uma experiência, dizem que você tá querendo ensinar as pessoas, você fala algo porque não se sente representada, acham que você é arrogante. 
 
Sinceramente, o que mais me assustou foi a polarização de tudo, pois se eu repudiei um blog anonimo, muitas pessoas entenderam automaticamente que eu estava imediatamente em uma posição de defender o DAN. Sério, não há nenhuma outra posição? É tudo assim com dois polos? Duas posições muito bem demarcadas e definidas e se você não concorda com uma, você é da outra? 

Também ridicularizaram minha “postura pró diálogo”. E acho que aqui é o que mais tem sido chato. Pois dizem que eu disse algo que não disse (gaslighting) e a partir disso me acusam de diversas coisas. Enfim, corro o risco de ser lida de forma distorcida de novo. Mas tem sido cansativo explicar tudo isto, então fica aí escrito.

Se há pessoas negras e indígenas (e pessoas brancas) que se identificam com este tipo de ação do curupira, tudo bem, vocês têm todo o direito de se identificarem com o que vocês acham apropriado. Mas quando eu digo que ele não me representa, estou dizendo apenas que ele não me representa! E não tem nenhuma mensagem subliminar nisto! 
 
Continua não me representando, pois eu não vejo como este tipo de ação (do curupira) empodera as pessoas que sofreram racismo, seja institucional ou estrutural, ou machismo, homofobia ou alguma outra opressão, a falarem abertamente sobre isto. É um tipo de ação que continua nos colocando no lugar de que não podemos falar, seja porque é preciso ser anonimo, ou porque qualquer outra voz é uma ameaça, também não me representa.

No movimento negro, no movimento feminista, ou no feminismo negro e em outros movimentos sociais o corpo é muito importante, e eu ainda não vejo como trazer nenhuma discussão racial de forma descoporificada e de forma debochada. Não me representa quem trata o assunto como piada ou brincadeira. 
 
E quando eu digo que não me representa, eu quero dizer que não me representa. E quando eu digo isto, estou falando sobre ligar a TV e não me ver representava em nenhum lugar, ler um livro e não me ver representada em nenhum lugar. Se você se sente representada ou representado, que bom pra você, mas isto não me torna automaticamente representada.

Você pode, por exemplo, assistir um filme como Histórias Cruzadas (The Help, 2012) e se sentir representado. E eu tenho o direito de assistir o mesmo filme e achar que no final a estrutura social continuou a mesma e as mulheres negras continuam sem poder de decisão e sem voz.

Escuro que eu nunca achei que minha nota seria lida de forma unânime ou até que fosse bem recebida. Mas sinceramente a única coisa que eu não esperava era a ideia de que eu devia ficar calada, ou até de que mesmo calada eu estaria errada. Que eu não devia escrever ou não tinha o direito de querer que alguém leia o que eu escrevo.

Sei que haters gonna hate de qualquer forma, não quero mudar o opinião de ninguém e muito menos de quem nem quer me ouvir. Este texto não é uma indireta, eu não mando indiretas. Escrevo porque ainda me perguntam muito sobre o curupira e é isto que eu sei, e também sei que está é a minha versão de toda a história. Estou apenas contando o que aconteceu comigo e ninguém precisa se sentir representado por mim também.

Andreza Ferreira

PS: toda esta história me lembrou muito o começo do texto Racismo e Sexismo na cultura brasileira da Lélia Gonzalez, segue abaixo o trecho:
 
Referências:

Djamila Ribeiro. Linguagem, gênero e filosofia: uma abordagem wittgensteiniana. La Plata, FAHCE – UNLP

Márcia Tiburi. Como conversar com um fascista, reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Rio de Janeiro: recorde, 2016.

Referência 1: Fernanda Vicente, disponível em: http://www.geledes.org.br/14-sinais-de-que-voce-e-vitima-de-abuso-psicologico-o-gaslighting/#gs._sqRxu0

Referência 2: Audre Lorde, disponível em: http://www.geledes.org.br/mulheres-negras-as-ferramentas-do-mestre-nunca-irao-desmantelar-a-casa-do-mestre/#gs.0gGTi_Y

Referência 3: Grada Kilomba, disponível em : http://www.goethe.de/mmo/priv/15259710-STANDARD.pdf


OBS: Enfim, acho que esta é minha última postagem aqui no artesanato intelectual, vou migrar de plataforma, dá muito trabalho arrumar as fontes aqui no blogspot. Também acho que é minha última postagem do ano, pois não vou ter tempo de arrumar outro blog por agora.  Boas festas, até 2017.