domingo, 23 de outubro de 2016

Sobre queimar o filme, mas salvar alguns negativos: entre lentes ocidentais e mulheres leste- timorenses

A partir de amanhã, vamos (eu a mais algumas colegas) apresentar na semana universitária um pouco de nossos trabalhos realizados a através do projeto "Cooperação para Pesquisa e Formação em Ciências Sociais em Timor-Leste" financiado pela CAPES/AULP. Temos a expectativa de que o público seja composto em sua maioria por alunas de ensino médio. Desta forma, bate aquele pequeno desespero de pensar em como fazer uma apresentação interessante (risos).
Por isto, trago aqui uma síntese do que pretendo apresentar e aceito sugestões e opiniões sobre forma e conteúdo. A apresentação será seguida de fotos, contudo não colocarei todas aqui. Segue uma condensação da ideia geral:


(começo) 
Provavelmente todas vocês tiram várias fotos por dia, por semana ou por mês. Provavelmente todas vocês tiram mais fotos que suas mães, quando elas tinham suas idades. A fotografia em formato digital, nos permite registrar nosso cotidiano, ao mesmo tempo que faz parte do nosso cotidiano. Agora mesmo, diversas pessoas aqui presentes, tem a possibilidade de tirar um celular do bolso ou da bolsa e tirar uma foto. 
 
Bom, apesar de todas vocês tirarem dezenas, centenas ou milhares de fotos… Eu duvido que vocês postem todas as fotos que vocês tiraram. Talvez vocês não pensem muito sobre isto toda vez que vão escolher uma foto, mas vocês selecionam fotos. Porém, como vocês escolhem as fotos que vão postar? Como vocês escolhem as fotos que vão mandar para as suas colegas? 
 

Eu ainda não conheço vocês, mas acho que uma resposta possível seria que vocês escolhem as fotos mais bonitas. Ou que vocês escolhem as fotos com mais qualidade. Porém, o que é bonito? O que é qualidade? Por que não apreciamos todas as fotos? Por que classificamos as fotos em postáveis e em não postáveis?



Eu fiz esta pequena introdução, porque minha apresentação é sobre isto. Vou tentar contar uma breve história, sobre algumas fotos que tirei em Timor-Leste e como algumas mulheres leste-timorenses me fizeram repensar meus pressupostos de fotos com qualidade e fotos sem qualidade... Fotos bonitas e fotos feias. 

Em 2014 fiquei quatro meses em Díli, capital de Timor-Leste fazendo uma pesquisa em antropologia. Eu pretendia estudar as tecedeiras do tais, um tecido feito de algodão, produzido apenas por mulheres. Em Díli, eu tive a sorte de encontrar um espaço, no qual eu poderia realizar esta pesquisa (frequentei este espaço de 22 de outubro de 2014 até 15 de dezembro de 2014). 

Tal espaço era o Sentru Suku Foudasaun Alola, mas Ofélia e outras mulheres se referiam ao espaço como Taibesi; “em Taibesi”, “lá em Taibesi” e eu chamava o espaço de Galpão principalmente para não confundir com o bairro homônimo, onde o Sentru Suku se localizava, que era Taibesi (Lê-se Taibesse). 

No Galpão trabalham a Ofélia, que era a manager, a Marina que trabalhava no financeiro, além de 17 mulheres entre tecedeiras e costureiras, cozinheiras e etc e 2 homens que faziam tarefas diversas. As atividades que ocorriam no Galpão eram basicamente dividas entre costura e tecelagem, mas havia pessoas que trabalhavam com outras tarefas, como cozinheira, ou assistente financeira e afins. 


Fui apresentada pela Ofélia para as mulheres do Galpão como voluntária e estudante que pesquisava cultura. Logo tive a impressão que elas (as mulheres) achavam que eu era uma espécie de assistente da Ofélia. Talvez por eu perguntar muitas coisas para Ofélia. Pois dentro de uma pesquisa em antropologia, as antropólogas costumam ter mais proximidade a uma ou duas pessoas em campo. Esta pessoa que se tem mais proximidade e diálogo, costuma ser chamada de interlocutora. 


O campo, pode ser entendido com o lugar qual se realiza a pesquisa. Assim o meu campo era o Galpão. E minha principal interlocutora era a Ofélia. Ofélia era quem mais conversava comigo, principalmente por ser a pessoa que eu menos atrapalhava em campo, e também por falar português fluente e ter o português como língua materna. 


No Galpão as costureiras e tecedeiras eram a maioria das funcionárias. Com exceção da Ofélia e da Marina, todas as outras funcionárias, pareciam ter o mesmo status, no sentido de reconhecimento entre elas. Situação percebida por mim através do meu uso da câmera em campo, a partir das fotos que tirei e mostrei para elas.


Nos primeiros dias em campo, eu disse para Ofélia que eu poderia tirar fotos do cotidiano de trabalho se ela quisesse e ela disse que seria ótimo porque assim ela poderia fazer uma exposição com as fotos lá no Galpão mesmo. Com o intuito de fazer a possível exposição, eu saia todos os dias em circuito e percorria o espaço todo tirando fotos de todas presentes. Na primeira vez que eu queria tirar foto de alguém, eu sempre perguntava se eu poderia tirar a foto; “bele foto?”, todas autorizaram. Essas circulações para tirar fotos ajudaram-me a aprender o lugar que cada uma tinha na produção, como aprender seus nomes.
No primeiro dia que levei a câmera, tirei várias fotos, porém, meu esforço de fotografar encontrou duas situações: pessoas que tinham atividades mais paradas e pessoas que tinham atividades com mais movimento. Das pessoas que estavam paradas, como por exemplo, as costureiras; eu batia apenas duas, ou três fotos porque já ficavam boas para eu entender o que estava acontecendo e esteticamente pareciam-me interessantes também. Contudo, de pessoas que estavam em movimento, como tecedeiras, eu “tinha” que tirar cinco, seis fotos para achar que uma estava boa, que não estava tremida.
Durante o almoço as mulheres pediram para ver as fotografia e aí quando viram que de uma pessoa eu tinha três fotos e de outra tinha seis, ficaram chateadas. Não falaram mais do que “Duas minhas, quatro de fulana”. Entretanto, deram-me a entender que a atenção tinha que ser igual, dividida de forma justa. Mesmo que na minha percepção algumas fotos não tinham tanta qualidade, então não contavam, por isso que eu precisava tirar outras. Mas para elas essa desigualdade numérica de fotos parecia ser o reflexo de que eu estava dando mais atenção para uma do que para outra, ou que eu não considerava tanto aquela que tinha menos fotos, que gostava mais da outra que tinha mais fotos. Era uma questão de qualidade para mim e de quantidade para elas. (trechos adaptados da minha monografia)



Aqui podemos voltar para a questão que eu fiz no começo. O que faz vocês escolherem fotos para postar? E escolher fotos para não postar? Vocês acham que o que é entendido por bonito, por exemplo, é entendido universalmente como bonito? Vocês acham que o que é entendido como com qualidade é entendido universalmente com qualidade? Será que se selecionarmos uma foto que vocês, ou alguma de vocês acha bonita, esta foto será considerada bonita por pessoas na Ásia, na África, na Europa e etc? 
 

Será que nossa relação com as fotos, de buscar ângulos perfeitos, cenários perfeitos, sorrisos perfeitos… Não nos dizem que nunca teremos fotos perfeitas? Dito, isto porque vejo várias pessoas, inclusive eu, falando “está foto estaria ótima se não fosse...” “este fundo”, “a luz”, “a qualidade”, “alguém ter passado no meio da foto”. Porque as fotos que tiramos não são perfeitas? Porque as fotos que tiramos precisam de photoshop? 


Será que a gente não tenta reproduzir fotos que são entendidas como bonitas, nas revistas, na televisão, na internet? Quando eu falo a gente, estou dizendo nós aqui, brasileiras, ocidentais.. Será que as pessoas do outro lado do mundo tem a mesma relação com a imagem e a imagem pessoal, que a gente?



Voltando, a minha conduta em campo, com as mulheres leste-timorenses. Quando eu entrei em campo, eu procurava ter pelo menos uma foto boa de cada pessoa, independente da quantidade de fotografias que eu precisasse bater para isso. Então, para mim não tinha nenhum problema ter quatro fotos de uma pessoa e duas fotos de outra pessoa. Porque no fundo, só havia uma foto, entendida por mim, como boa.


Enquanto para as mulheres, ter quatro fotos de uma e duas fotos de outra era chato, pois elas não fazia a mesma diferença que eu fazia entre fotos boas e ruins. Eu dividia as fotos em boas e ruins, porém para elas todas as fotografias eram fotografias. E elas estão certas, todas as fotografias são fotografias. Estas diferenças entre fotos boas e ruins, fotos bonitas e fotos feias, são diferenças criadas por nós. Elas não existem fora da nossa interpretação das fotos.



Esta gafe em campo, me ajudou a pensar diversas coisas. Mas com certeza está gafe me fez pensar sobre como ao chegar em campo, eu naturalizei para todas as mulheres que eu conheci, a ideia que eu tinha de fotos boas e fotos ruins. Ao mesmo tempo que elas me mostraram, que a ótica que eu tive era completamente colonizada e ocidental. Se eu não tivesse levado a câmera para campo, não pensaria em como as fotos enquanto imagens capturadas e selecionadas são construções sociais.
(fim) 


Na minha monografia abordo esta mesma situação em campo com as fotos, mas minha abordagem é outra. É voltada para o status das mulheres nas relações de trabalho. É interessante pensar como é possível olhar sob outras óticas um mesmo assunto. 

Também é engraçado pensar que cada apresentação demanda da gente uma atenção específica. E ao contrário das minhas expectativas, a ansiedade para apresentar trabalhos ainda não diminuiu e o trabalho para fazer os slides ainda é o mesmo.



Aproveito para convidar todas para assistirem a mostra Timor-Leste em Foco:

24/10 - Segunda- Feira, das 10 às 12hs.
1 - Sobre queimar o filme, mas salvar alguns negativos: entre lentes ocidentais e mulheres leste-timorenses.
Por Andreza Ferreira
2 - Paisagens culturais leste-timorenses pelas lentes de um antropólogo amador em busca do campo. Por Miguel Filho


25/10 - Terça-Feira, das 10 às 12hs
1 - “Agora fazemos assim”: o projeto Mobile Courts e o processo de transposição da modernidade no Timor-Leste contemporâneo.
Por Henrique Romanó Rocha
2 - Paisagens culturais leste-timorenses pelas lentes de um antropólogo amador em busca do campo.
Por Miguel Filho


26/10 - Quarta-feira, das 8h30min às 10hs.
1 – As Donas da Palavra. Por Daniel Simião;
2 – Sacralidades Timorenses. Por Daniel Simião, Henrique Romanó Rocha e Sarah Almeida.


27/10 - Quinta-feira
1- Cotidiano universitário em Díli: experiência acadêmica na Universidade Nacional Timor Lorosa'e. Por Sarah Almeida.
2 - "As tradicionais? Elas fazem tudo pela imaginação! A gente não! A gente tem aula, aprende certinho." - A universidade e as parteiras em Timor Leste. Por Natalia Silveira.


PS: Qualquer crítica, comentário, ou sugestão: meu e-mail é artesanatointelectual@gmail.com 
2 PS: Todas as fotos da postagem, com exceção da foto do cartaz, são fotos tiradas por mim.  

sábado, 15 de outubro de 2016

Antropologia ou teoria vivida e aprendida


Ou a importância de reler o mesmo texto em momentos distintos da formação

 
Na primeira vez que eu li “Etnografia, ou a teoria vivida” da Mariza Peirano eu não entendi muito bem. Não porque o texto seja difícil de ler e compreender (pelo contrário acho o texto de fácil leitura), mas talvez porque eu ainda não soubesse “mesmo” o que era uma etnografia... Digo isto, pois já reli este texto várias vezes, inclusive uma esta semana, e quanto mais a frente estou no curso, mais a “etnografia, ou teoria vivida” faz sentido.



Bom, este já era um assunto que me instigava em 2013 (2° de 2013), quando eu fiz TA2 (Teoria Antropológica 2). Fiz a disciplina com o professor Luís Cayon e no segundo trabalho da disciplina (que foi composta por três ensaios, se não me engano) relacionei “estrutura e corpo” em um ensaio denominado “Habitus e trabalho de campo: um breve ensaio” relacionando Leach, Dumont e Bourdieu. 

Um dos grandes desafios da antropóloga em campo pode ser explicar o que é antropologia. Em geral, para a própria antropóloga, está não é uma categoria simplesmente dada pelo senso comum, e sim uma categoria construída durante sua formação. A antropologia pode parecer um grande axioma quando se faz a matéria de introdução, por exemplo. E durante algum tempo, talvez uma sensação de “sei o que é, mas não sei definir” acompanhe a aluna. Mas ao decorrer do curso, quando ela fizer as disciplinas de Teoria Antropológica e Métodos e Técnicas, as coisas provavelmente vão se tornando mais inteligíveis. Entretanto voltando ao campo, também, pode soar muito arrogante reduzir todo esse aprendizado e dizer: “antropologia é isso”. E simplesmente dar uma definição qualquer, por mais elaborada ou simples que seja é problemático, pois nós mesmos não costumamos entender tão facilmente assim; então será que as pessoas de fora do campo vão entender? (Primeiro parágrafo do meu trabalho de TA2, com adaptações de linguagem inclusiva de gênero)


Lendo este curto trabalho (de apenas quatro páginas) hoje, eu observo que eu pretendia analisar como as experiências práticas e as vivências dentro do curso de antropologia promoviam um aperfeiçoamento “teórico” ou uma maior compreensão da teoria, que ocasionava uma maior percepção da antropologia como disciplina. E como Peirano observa em sua palestra¹ as ideias não surgem do nada, as ideias estão relacionadas com experiências…



Não por acaso, no semestre anterior, no 1° de 2013 eu tinha acabado de fazer Métodos e Técnicas em Antropologia Social (MTAS) com a professora Soraya Fleischer e foi o exatamente neste contexto que eu li pela primeira vez “Etnografia ou teoria vivida”. Lemos (eu e a turma) este texto bem no inicio da disciplina , ainda sem realizar a primeira saída de campo. Ressalto isto, pois creio que ao final da disciplina, minha relação com o texto, e também minha relações com a antropologia e com a etnografia, já eram completamente diferente e devo isto aos exercícios etnográficos realizados no semestre.


Não vou falar muito sobre MTAS neste texto, porque merece um outro texto. Principalmente porque a combinação de MTAS com a disciplina de Antropologia Econômica (ofertada pela Kelly Silva no 2°2013), foram o plot twist ou a epifania da minha formação. Plot twist, no sentido de narrativa fílmica, que é quando há uma mudança radical que direciona o final do filme. E epifania, no sentido literário de terceira geração modernista, quando a personagem tem uma espécie de revelação.

Mas recomendo a leitura na integra de Na cozinha da pesquisa: relato de experiência na disciplina “Métodos e Técnicas em Antropologia Social” texto que acabou de sair do forno! Escrito pela Fabiene Gama e Soraya Fleischer:


Além disso, no momento de MTAS, a maioria das estudantes só teve contato com disciplinas teóricas, em que leram sobre a história da Antropologia e a intensa autorrevisão feita pela área. Chegam muito afiadas, com críticas disparadas facilmente para todo lado, mas também chegam desconstruídas, desencantadas, perdidas, cheias de cuidados para não deslizarem e serem acusadas de etnocêntricas, imperialistas e/ou neocolonialistas. A maioria nunca fez pesquisa, nunca entrevistou uma pessoa, nunca abordou alguém para uma conversa. Ou seja, vêm com alguma bagagem conceitual, mas não sabem como produzir antropologia. Ao propormos algo mais prático, sentimos no início certo desconforto por parte da turma. Como se aquilo que não fosse teórico não pudesse ser legítimo; como se aquilo que não fosse produzido alhures (e, de preferência, além-mar) não pudesse ser suficiente; como se aquilo que fosse produzido por uma colega da carteira ao lado não pudesse ser conhecimento; como se aquilo que fosse produzido pelo corpo (que anda, olha, é olhado, sente etc.) e não pela linguagem verbal e escrita fosse menor. Fomos percebendo, à medida que a disciplina avançava, que partir para a prática, discutindo de modo muito singelo técnicas de pesquisa, poderia ser uma ferramenta potente para desconstruir certezas. Ao menos permitir que algumas balizas pudessem ser testadas e construídas para uso futuro. (GAMA & FLEISCHER, 2016: 112)


Eu não creio que tardar a leitura de “etnografia ou teoria vivida” seria interessante. Pois creio que exatamente o fato de não ter entendido direito na primeira leitura já acionou um “instinto etnográfico” (PEIRANO, 2014:378), afinal eu entendi tudo que estava escrito, todavia não compreendia o que tudo aquilo significava, ao mesmo tempo que tinha uma grande vontade de perceber o que o texto comunicava.


Esses sentimentos, sabem bem os alunos de graduação que fazem pesquisa, nos acometem, nos assaltam no momento em que definimos, para nós mesmos, que estamos “em campo”. O “campo”, portanto, não está lá; ele está dentro de nós, e se as surpresas nos parecem, às vezes, meros acasos, é que deles é feita a vida. Muitas vezes, inclusive, somos surpreendidos pelo fato de que a vida parece imitar a teoria (…) (PEIRANO, 2008 : 04)


Ao mesmo tempo que não podemos (e não devemos) separar etnografia e teoria, afinal “etnografia não é método, toda etnografia é também teoria” (PEIRANO, 2014;383). Esta semana tenho pensado em como não podemos separar Antropologia e prática etnografia (dentro da formação, seja na graduação ou em outro estágio).



No sentido de que entender o que é Antropologia pode ser muito mais do que apreender um conceito, porque entender algumas categorias nativas ou analíticas e teorias passam pelo corpo, pela vivência: “desta perspectiva, etnografia não é apenas um método, mas uma forma de ver e ouvir, uma maneira de interpretar, uma perspectiva analítica, a própria teoria em ação” (PEIRANO,2008:3)



Talvez até aqui não haja nada de novo em si para o conhecimento antropológico, afinal a própria Mariza Peirano já disse “(…) como todos sabemos, a etnografia é a ideia-mãe da antropologia, ou seja não há antropologia sem pesquisa empírica” (2014:380). Entretanto nunca me falaram que o curso de antropologia, ou melhor a minha formação em antropologia seria completamente redimensionada e ressignificada depois de cursar a disciplina de MTAS.

Assim como ela foi redimensionada e ressignificada em graus distintos em cada disciplina que cursei. Desde Introdução a Antropologia, a Teoria Antropológica 1 e 2. Estas matérias não se resumem as leituras, ou as aulas, mas abrangem também as professoras, as colegas de turma e até na minha atenção a todos estes fatores. Assim como também inclui releituras de textos, anotações, comentários e diálogos.

Entretanto talvez existam duas dimensões (devem existir bem mais) de realize o texto "etnografia ou teoria vivida". Realize como algo entre perceber e compreender, algo que em português poderia ser bem traduzido, como diria o Raoni Giraldin como “se tocar de algo”, no sentido “me toquei sobre tal assunto”. Uma gíria que já foi aprendida pelo português formal, e que denota, segundo a 25º definição do verbo tocar para o dicionário michaelis on-line, “dar se conta de”.

Talvez Mariza Peirano tenha escrito este textos para suas colegas pesquisadoras, já formadas, ou em estágio mais a frente da vida acadêmica. E para este público talvez o texto realize a desconstruir a ideia de que teoria seja mais importante que a etnografia. Sabemos (eu e você leitora) que  está é uma noção forte dentro da acadêmia, afinal (sem querer criar um sofisma) se não fosse forte, como alunas de começo do curso reproduziriam ideias de que teoria é mais importante que etnografia?

Neste sentido, a “Etnografia ou teoria vivida” é incrível por conseguir plantar a semente da desconstrução de que teoria e etnografia sejam algo distinto ou distante. E é extremamente necessária para que percebamos a experiência pesquisa como fundamental para experiência de escrita e de apresentação de resultado... Entre outras questões.

Mas a outra realizing possível de “Etnografia ou teoria vivida” para as alunas que ainda estão em formação e ainda estão construindo suas referências teóricas-metódologicas é que a etnografia é uma teoria vivida e aprendida. E que por tabela a antropologia também é uma teoria vivida e aprendida. Pois estamos aprendendo que etnografia é a teoria vivida ao mesmo tempo que estamos aprendendo a fazer etnografia, concomitante ao aprendizado de fazer antropologia e do aprendizado do que é Antropologia..

Bom, creio que talvez seja por isto que não entendemos muitos textos (não todos claro, alguns são mérito da autoria complicada) na primeira leitura. Também suspeito que fazer  MTAS pode mudar sua percepção sobre a Antropologia.

Este conjunto de postagem até agora no blog pode ser entendidas como “reflexões de uma graduada” ².

Notas:
1 Vídeo “A etnografia na trajetória de Mariza Peirano”. Neste vídeo de aproximadamente 50 minutos a Mariza Peirano fala de relação com as ciências sociais desde a graduação até hoje, recomendo bastante! Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zWGHwPJaFRo
2 Em 2013, Otávio Velho fez uma apresentação nos Seminários do DAN intitulada “Reflexões de um aposentado”, seminário qual eu fiquei bem frustrada por não entender nada do que ele disse. Neste caso, eu não sei se foi falta de experiência etnografia ou arcabouço teórico para entender, não pude rever a comunicação hoje em dia para repensar isto. Nesta época infelizmente os Seminários do DAN ainda não eram gravados e disponibilizados pelo canal do IRIS no youtube.

Referências Bibliográficas:
2016. Fabiene Gama e Soraya Fleischer. Na cozinha da pesquisa: relato de experiência na disciplina “Métodos e Técnicas em Antropologia Social”. Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 5, No 2 |-1, 109-127. Disponível em: http://cadernosaa.revues.org/1145#quotation
2008. Mariza Peirano. “Etnografia ou a teoria vivida”. Revista Ponto Urbe, 2(2), pp.1-10 Disponível em: https://pontourbe.revues.org/1890
2014. Mariza Peirano. Etnografia não é Método. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 20, n. 42, p. 377-391, jul./dez. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832014000200015


1 PS : Fiz está colagem com massinha e o texto impresso com fontes de tamanhos diferentes. Coloquei o post it, para indicar que este poema foi escrito para ser epígrafe desta reflexão. Foto tirada de celular (assim como propõe mosaico lunar) e poema escrito por mim.
2 PS : Hoje é dia das professoras! Então eu gostaria de parabenizar todas as professoras que me deram aula e também todas as professoras que eu conheço! Além de agradecer por toda a dedicação e inspiração! Neste sentido, gostaria de ressaltar a importância das professoras da graduação!
3 PS: Sugestões, críticas, comentários, ou se você quiser me enviar um e-mail : artesanatointelectual@gmail.com
4  PS: Parece que o espaçamento do blogspot é meio aleatório. Há uma diferença entre o que eu mando e o que aparece visível.Estas letras do ps também, não estou conseguindo torná-las maiores para na publicação.


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Como pensar em um teste bechdel para a academia?


Ano passado ao me deparar com o teste bechdel, fiquei pensando em como perceber a representação das mulheres em outros espaços, como na academia... Mas ao tentar problematizar isto, percebi que poucas pessoas conhecem o teste de bechdel.

The Rule, Alison Bechdel
Em 1985 a escritora e quadrinista estadunidense Alison Bechdel publicou uma tirinha chamada “The Rule”, em português “a regra”. Tal tirinha trazia duas mulheres que podem ser lidas com fenótipos étnicos distintos, que passeiam juntas e se deslocam pela frente de um cinema, com os filmes que estão em cartaz ao fundo. (tirinha lado) 

A mulher com cabelo mais longo pergunta a outra mulher se ela quer ver um filme. Então a mulher com cabelo mais curto diz que ela tem uma regra para ver filmes, que consiste em três requisitos: “primeiro, é preciso ter pelo menos duas mulheres nele que, segundo, conversem entre si sobre, e terceiro, algo além de um homem” (tradução minha).

A mulher de cabelo mais longo fala que seria muito restrito, mas uma boa ideia. Então a mulher de cabelo mais curto responde que não está brincando e o último filme que viu foi Alien, pois tem duas mulheres conversando sobre um monstro. As duas mulheres ficam cabisbaixas e silenciosas enquanto continuam andando até que fica entendido que elas não vão tentar assistir nada aquele dia no cinema.
 
A crítica de Alison Bechdel foi tão sintomática do cenário cinematográfico (tanto do período, quanto de hoje), que sua tirinha começou a ser ressignificada (principalmente por críticos de cinema) como um teste para apontar a presença, frequência, importância e representação de mulheres em filmes.

Esta avaliação foi intitulada de: Bechdel Test, em inglês, ou Teste de Bechdel, em português. Dessa forma o teste de bechdel pretende avaliar se um filme passa nestes três requesitos (há variações, mas é mais ou menos isto):

1º Há pelo menos duas mulheres no enredo?

2° As mulheres do filme conversam entre si?

3° Se elas conversam entre si, elas conversam sobre algo que não seja um homem?

Acredite, muitos filmes não passam no teste de bechdel, como Toy Story, Forrest Gump, 500 dias com ela... O teste de bechdel aponta as redes das mulheres entre outras coisas. Podemos inferir poucas coisas dele, além de perceber como em vários filmes as mulheres são reduzidas a falaram sobre um homem, ou a interagirem com homens. Questões que acirram o imaginário de competição feminina e enfraquecem a ideia de sororidade por exemplo.

Mas voltando a questão que eu coloquei no começo deste texto, como avaliar a representação das mulheres em outros espaços, como na academia? Seria possível pensar em um teste de bechdel para a vida acadêmica

Bom, eu ainda não conheço nenhum teste e também não tenho nenhuma sugestão concreta de avaliar isto. Contudo, o teste de bechdel é provocativo para imaginarmos formas de perceber não só a representação, mas até mesmo a presença das mulheres em diversos espaços. Neste sentido, uma coisa que tenho achado interessante observar: quantas mulheres são citadas em textos, quantas mulheres estão em referências bibliográficas  e etc... 

Sabemos que os clássicos de diversas disciplinas são homens brancos, então, também é interessante pensar quantas mulheres não brancas, não europeias, não americanas, brasileiras, negras, indígenas estão chegando em nossas estantes?
 
Bom, pensando nisto. Eu e a minha amiga Stéfane no começo deste ano nos reunimos diversas sextas pelo hangouts, ou skype para realizarmos discussões de textos escritos por mulheres, para estes encontros virtuais demos o nome de LAM (leituras de antropólogas mulheres). Entretanto, pela rotina da vida, não conseguimos prosseguir com o LAM. Contudo, trago este relato, para deixar a ideia para outras pessoas. 


Eu a Stéfane, selecionamos mulheres que gostaríamos de ler (e entender) como a Marilyn Strathern. Liamos o texto previamente, e depois nos encontrávamos virtualmente para discutir o texto. Digo isto, pois qualquer pessoa pode procurar as autoras e ler, ao mesmo tempo que também pode procurar/encontrar outras pessoas que se interessam também e trocar ideias.


Finalizando, eu não tenho uma sugestão de um teste de bechdel para a academia. Talvez um teste, ou algo do tipo, não seja pertinente. Mas o teste de bechdel é ótimo para pensar... É um excelente gatilho para refletir sobre a participação de mulheres em qualquer espaço.  

Você conhece muitas mulheres dentro da sua área? Antropólogas? Escritoras? E Etc?

1° PS:  Para entender melhor o teste de bechdel, recomendo um vídeo da Lully clique aqui para ver
2° PS: Para pensar mais sobre os problemas da má representação das mulheres no cinema, recomendo o trailer da “personagem feminina pouco desenvolvida”, clique aqui para ver
3° PS: Sobre as mulheres em outros espaços, deixo a recomendação para ouvir o CD “A Arte da Refutação” da Issa Paz. Dentre váriosassuntos abordados por ela, ela fala do machismo no Rap, clique aqui para ouvir uma música.
4° A primeira figura do post é a tirinha da Alison Bechdel e a segunda figura são imãs da minha geladeira. Percebi que em nenhuma imagem deste imãs têm duas mulheres na mesma figura. 
5° PS: Sugestões, críticas, comentários e/ou respostas podem ser enviadas para o meu e-mail: artesanatointelectual@gmail.com